sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O que é o Laboratório de Humanidades: sua história, seu “funcionamento” e sua finalidade

Dante Marcello C. Gallian
Coordenador do LabHum

Há pouco mais de cinco anos, iniciamos com um pequeno grupo de alunos do curso médico da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, uma atividade extra-curricular cujo objetivo era ler e discutir textos de história e filosofia. Na verdade, tal iniciativa partiu dos próprios alunos que, ao encerrarem a disciplina eletiva de História da Medicina, toda ela estruturada a partir da leitura e discussão de textos clássicos do tema – entre Hipócrates, Galeno, Paracelso, Harvey – exigiram um espaço para continuarem esta experiência para além dos limites curriculares. Alegavam para tanto não só a carência de leituras como estas em seu currículo, extremamente técnico, como a percepção do efeito formativo e “quase terapêutico” de uma experiência no mínimo inusitada no contexto universitário. Foi assim que nasceu o Laboratório de Humanidades (LabHum) do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde (CeHFi) da Unifesp.

Com o tempo, o grupo foi crescendo e a sua dinâmica amadurecendo. De textos clássicos da medicina passamos a clássicos da filosofia até chegarmos aos clássicos da literatura. A experiência da leitura, discussão e compartilhamento de sentimentos, impressões e idéias suscitadas pelas obras literárias entre o nosso público – formado agora não apenas por estudantes de medicina, mas também por graduandos de outros cursos da área da saúde, de pós-graduandos e até por docentes e funcionários da Unifesp – mostrou, de forma patente, o quanto as humanidades podem ser um efetivo meio de humanização.

Trabalhando com um grupo cada vez mais heterogêneo em termos de idades e interesses, ainda que identificado com o campo das ciências da saúde, logo percebemos que a dinâmica deveria girar em torno do compartilhamento de experiências. Não há, portanto, uma preocupação, por parte da coordenação do Laboratório, quanto a abordagens acadêmicas características da crítica literária ou das ciências humanas em geral. A cada início de ciclo, quando se começa a discutir uma obra que todos já tiveram a oportunidade de ler, os coordenadores convidam a cada um dos participantes do grupo a fazerem a sua história de leitura, ou seja, falar sobre as emoções, sentimentos, afetos, impressões que a leitura da obra suscitou. Posteriormente suscita-se também o levantamento do conjunto de idéias mais representativas que serão, ao longo do ciclo de discussão – que em geral duram de 5 a 6 encontros e que se realizam uma vez por semana – retomadas e debatidas.

Explorar e aprofundar a experiência afetiva que se produz ao nos depararmos com uma obra literária, é o objetivo primevo do Laboratório de Humanidades, pois sabemos que sem o envolvimento integral da pessoa, enquanto ser dotado de sentimento, inteligência e vontade, não pode haver uma efetiva experiência de humanização. Por isso, antes de adentrarmos em discussões filosóficas, sociológicas ou históricas mais profundas – que não apenas são desejáveis, mas inevitáveis – incentiva-se, antes de tudo, a manifestação e compartilhamento das sensações, das emoções. Tal dinâmica não apenas amplia a própria experiência da leitura individual do sujeito, como abre novas possibilidades de leitura para os outros que o escutam. Começa a experiência da “ampliação da esfera do ser”, como bem coloca Teixeira Coelho em seu ensaio sobre “A Cultura como Experiência”.

A abertura para a dimensão emocional e afetiva da experiência humanístico-literária apresenta-se, portanto, como convite e incentivador para um mergulho mais profundo na obra proposta. Logo nos primeiros dois encontros de cada ciclo, uma série de temas já começam a ser levantados e discutidos, possibilitando o desenvolvimento de análises intelectualmente mais complexas, de viés mais cultural, histórico, filosófico, científico. Sente-se aí a participação dos conteúdos mais específicos de formação e experiência profissional e mesmo de vida. Psicólogos, médicos, cientistas, historiadores, filósofos, vão agregando seus conhecimentos e vivências à discussão, sem a pretensão de formular teses ou respostas fechadas para as questões levantas, mas, sem dúvida, compartilhando saberes e análises, enriquecendo mutuamente as visões de mundo e de si mesmo.

Por fim, percebe-se o impacto de toda esta experiência humanística quando, após um certo tempo de participação no Laboratório, começa a se verificar como esta “ampliação da esfera do ser” passa a interferir na prática profissional e na vida como um todo, realidade aferida por não poucos colaboradores desta atividade. O processo, afetivo e intelectivo, detonado pela experiência da leitura e desenvolvido pela dinâmica do compartilhamento e discussão coletiva, completa-se na esfera volitiva, desencadeando mudanças de visão e atitudes; mudanças estas próprias de um movimento de “ampliação”, enfim de humanização.


Muitos são os testemunhos, ainda colhidos informalmente, nas próprias reuniões do Laboratório ou em conversa pessoal com os coordenadores, que atestam esta verdadeira experiência de humanização que advém da participação contínua nas dinâmicas laboratoriais. Uma experiência que toca, amplia e faz mudar a própria perspectiva existencial; uma experiência tão própria do humano, mas tão desvalorizada e esquecida no contexto atual.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Literatura aprimora formação de médicos

O LabHum na mídia

Em 25/10/2009 nosso laboratório foi notícia no Estadão e no Jornal da Tarde (clique no nome para ver o PDF). O texto é de Alexandre Gonçalves e as fotos do JOSÉ LUIS DA CONCEIÇÃO/AE. Abaixo coloquei o texto publicado site Abril.com em 26/10 (http://www.abril.com.br/noticias/ciencia-saude/literatura-aprimora-formacao-medicos-579293.shtml):

Literatura aprimora formação de médicos

Agência Estado

São Paulo - Como se posicionar diante da dor? O que é o arrependimento? Questões assim reúnem um grupo de 30 profissionais de saúde todas as sextas-feiras na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Uma obra de literatura universal, lida previamente por todos os alunos, dá a pauta dos diálogos. Médicos, universitários, pós-graduandos, psicólogos, fonoaudiólogos e até funcionários administrativos investigam sentimentos, projetos e reflexões dos personagens.

Os participantes organizam uma roda e todos podem falar. O encontro já recebeu um nome: laboratório de humanidades. “As experiências realizadas aqui envolvem a afetividade e a sensibilidade dos participantes”, afirma Dante Marcello Claramonte Gallian, diretor do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Unifesp e principal responsável pelo laboratório.

“É uma experiência de encontro com a força humanizadora da literatura”, diz o historiador Rafael Ruiz Gonzalez, um dos idealizadores do encontro. Livros tão diferentes como O Senhor dos Anéis, Primeiras Estórias, O Apanhador no Campo de Centeio e Odisseia já instigaram discussões no grupo.

A dermatologista Enilde Borges Costa acredita que a obediência a um conjunto de “regrinhas” não garante o cuidado integral de um paciente. “É preciso conquistar um olhar humanizado, que se torne um traço da personalidade do médico em todos os momentos, também fora do hospital”, afirma Enilde. “Não é simples, mas o laboratório me ajuda a conquistar esse olhar”, completa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Alice no País das Maravilhas – e nós no país dos absurdos

Escrito por Yuri Bittar, monitor do LabHum, com reflexões de todo o Laboratório de Humanidades

Lendo “Alice no País das Maravilhas” percebi que Lewis Caroll não falava de um lugar imaginário, mas na verdade se referia á sociedade em que vivia. Recorrendo á alegorias ele foi a fundo na dificuldade que as pessoas parecem ter em entender umas ás outras.

No Laboratório de Humanidades lemos recentemente este clássico da literatura infantil e também universal, intitulado “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Caroll. O título original é “Alice's Adventures in Wonderland” ou "Alice in Wonderland". Foi escrito na Inglaterra em 1865. Para mais detalhes sobre o livro consulte a Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alice_no_pa%C3%ADs_das_maravilhas

As reflexões que faço aqui são fruto da minha leitura e também das discussões no Laboratório de Humanidades, portanto, de certa forma, este é um texto coletivo e agradeço aos colegas do LabHum.

Numa alucinante viagem, por lugares estranhos e na companhia de criatura impensáveis, Alice tem que resolver diversos problemas, sozinha , e para voltar para casa, buscar a saída dessa espécie de labirinto aparentemente insano que é o País das Maravilhas.

Mas, se observarmos com cuidado, vamos perceber que o País das Maravilhas não é muito diferente do mundo real. Tirando o fato dos seres de lá serem cartaz e animais falantes, ao analisarmos seus atos, percebemos que são como os atos ditos normais das pessoas até hoje, mesmo aqui do outro lado do Atlântico e tantos anos depois.

Pessoas levemente insanas, que agem de forma um tanto sem sentido, se agridem, se tratam mal, participam de jogos sem objetivos, vagam sem rumo e fazem ameaças que geralmente não cumprem. Assim também não somos nós? Infelizmente parece que sim. E o Gato então? Ele aparece e desaparece, faz o que bem entende e não pode ser capturado. Apesar de dizer que todos são loucos, inclusive ele mesmo, na verdade o bichano parece ser o único sensato, além de Alice. Ele é o único que parece entender o que está acontecendo plenamente, além de ser praticamente onipresente e interferir nos acontecimentos sem ser afetado pelos outros. Ou seja, o Gato que Rí, ou Gato de Cheshire, simplesmente parece representar o próprio Lewis Caroll. E quantas vezes não nos sentimos mesmo os únicos sensatos em um mar de loucos? Outras vezes pode ser até o contrário, e aí dizemos que todos são loucos.

É um país de maravilhas este que Alice visita? Ou apenas um país normal? Bom, uma coisa que é diferente, para Alice, é que ela está só. Não há adultos responsáveis para lhe dizer o que fazer, como ela estava acostumada. Ela tem que resolver tudo sozinha. No início ela tenta seguir a lógica passada por seus pais, como ler o rótulo antes de beber de um frasco. Mas logo ela vai formando uma maneira própria de agir, se adequando ao mundo em que ela está.

Em certos momentos ela se cansa da loucura e incoerência das pessoas daquele lugar. Acontece que normalmente uma criança não tem que se envolver nas loucuras dos adultos, nos problemas e conflitos, permanecendo protegida. Será mesmo? E por aqui? Quantas crianças tem que se virar sozinhas, sejam elas abandonadas ou apenas mau cuidadas por pais relapsos? Elas tem que trabalhar, pedir, e acabam roubando e se drogando. Enfrentam, enfim, as loucuras da cidade e a confusão e violência dos adultos, tendo ou não habilidade para aguentar esse fardo, assim como Alice. Mas nestes casos não se trata de um sonho e o final normalmente não é feliz.

Alice se depara com “pessoas” que agem de forma estranha. Ela não entende o que eles querem. Por que o Coelho tem tanta pressa? E o Chapeleiro e a Lebre, o que fazem afinal? E qual é o objetivo do jogo de críquete com a Rainha? E como podem jogar de forma tão confusa? E o julgamento então, que sentido tem?

Mas se pensarmos em nosso mundo, que eu chamaria de “País dos Absurdos”, veremos algo muito diferente disso? Quantas notícias inacreditáveis vemos diariamente na TV. E pessoas agindo de forma estranha e incompreensível, que vemos constantemente pela cidade? Outro dia desses me deparei com uma estranha senhora, que apelidei cá para mim de “louca das vassouras”. Já outras vezes me deparei com esta estranha figura, que anda de ônibus carregando sempre uma ou mais vassouras, ás vezes só o cabo, andando sem parar, de lá para cá, no ponto de ônibus, dando um chega para lá em quem se colocar no seu caminho. Depois, quando chega o ônibus ela tem que ser a primeira a entrar, ocupa dois assentos e fica resmungando todo o caminho.

Lewis Caroll realmente escreveu um livro profundo, que permite uma série de reflexões, mesmo após um século e meio. Ele fala da dificuldade das pessoas em se entender mutuamente, e isso é atemporal e acontece em todos os lugares. Nos faz pensar realmente, e isso é muita coisa.

Yuri Bittar
Designer, fotógrafo e historiador
Atualmente ministra o curso A fotografia e a Cultura Visual
Site pessoal: www.yuribittar.com

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Só um morto pode falar honestamente ?

Escrito por Yuri Bittar, monitor do LabHum

Reflexões sobre Memórias Póstumas de Brás Cubas - Só um morto pode falar honestamente ?

Estou lendo este clássico da literatura brasileira, que incrívelmente ainda não tinha lido. E agora entendo porque de sua importância. Ainda não o terminei, mas me parece haver uma importante reflexão sobre as amarras que nos impedem de ser honestos, até com nós mesmo.

Esse é o livro da vez no Laboratório de Humanidades (UNIFESP). Conforme eu for lendo e participando das discussões no LabHum, vou postando aqui minhas (e do grupo) reflexões sobre o livro.

Uma outra frase surgiu no laboratório; "só um morto pode entender a vida?" Brás Cubas fala com total sinceridade sobre sua vida. Confessa coisas que dificilmente alguém falaria. O morto, além de poder falar a verdade pois nada teme, ainda tem a visão de fora necessária para poder compreender a própria vida.

Como Dostoievski , Machado de Assis faz um exercício para simular a honestidade. O Idiota é sincero assim como Brás Cubas. Eles rompem com o comum (será tão incomum ser honesto?). Brás Cubas não se limita ao “politicamente correto”. Num momento ele não se conforma de uma bela moça ser coxa. “se bela por que coxa, se coxa por que bela?” Como disse o Prof. Rafael, ele não usa a “mentira estabelecida” ao falar o que realmente pensa.

Brás Cubas nos coloca diante do vortex da vida. Da questão primordial do sentido da vida, de por que somos movidos, de como justificamos nossa existência. Se a vida é um circulo ou uma expiral, uma realidade sem saída ou um vortex incontrolável. Afinal, por que se importar com os outros ? A consciência é apenas o medo de pessoas medíocres ? Ele propõe também a idéia de decidir não ter filhos, e confessa ter tido uma vida sem grandes motivações.

Machado escreve com enorme leveza e toques de humor, mas fala de questões delicadas e profundas, e deixa abertas feridas sociais, expõe os dogmas morais e os questiona.

Essa leitura tem provocado acaloradas e profundas discussões no grupo. Creio que desde que participo, há mais de um ano, esse foi o livro que mais nos tocou.

Link para o livro no Domínio Público: www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1923

Link para áudio book: http://www.bibvirt.futuro.usp.br/content/view/full/1947

Yuri Bittar
Designer, fotógrafo e Historiador
www.yuribittar.com

Livros já lidos no LabHum

Livros lidos:

2011 – 1º semestre
Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá, de Lewis Carroll (próximo)
A Divina Comédia. Livro II, “Purgatório”, de Dante ALIGHIERI
A Divina Comédia. Livro I, “Inferno”, de Dante ALIGHIERI

2010 – 2º semestre
• O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde
• A Odisséia, de Homero

2010 – 1º semestre
• Os Demônios, de Dostoiévski
• Dom Casmurro, de Machado de Assis

2009 – 2º semestre
• Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector
• Macbeth, de William Shakespeare
• O Senhor dos Anéis. de JRR Tolkien

2009 – 1º semestre
• O Coração Disparado, de Adélia Prado
• Zorba o Grego, de Nikos Kazantzakis.
• Quincas Borba, de Machado de Assis
• A Metamorfose, de Franz Kafka

2008 – 2º semestre
• Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa
• A Morte de Ivan Ilich, de Tolstói
• Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski

2008 – 1º semestre
• A Morte de Ivan Ilich, de Tolstói
• Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis
• Crime e Castigo, de Dostoiévski

2007 – 2º semestre
• Franny e Zooey - Família Glass, de de J.D. SALINGER
• Alice no País das Maravilhas, de Lewis Caroll
• Frankenstein, de Mary Sheley

2007 – 1º semestre
• O Idiota, de Dostoiévski
• Vá aonde seu coração mandar, de Susanna Tamaro
• O Sentido da Vida, de Mitch Albom

2006 - 2º semestre
• Anna Karenina, de Tolstoi
• Anima Mundi ou A Alma do Mundo, Suzana Tamaro
• A Tempestade" de Shakespeare

2006 - 1º semestre
• O Apanhador no Campo de Centeio
• História sem fim
• Dom Quixote
• Perto do coração selvagem - Clarice Lispector
• Milan Kundera, a insustentável leveza do ser

Frankenstein de Mary Sheley e nossos frankensteinzinhos

Escrito por Yuri Bittar, monitor do LabHum

No Laboratório de Humanidades esta semana terminamos de ler Frankenstein, de Mary Sheley, escrito em 1817. Vou relatar aqui minha opinião sobe o livro, mas que é totalmente influenciada pelos colegas do laboratório e a eles credito a co-autoria deste artigo. A primeira coisa que precisamos esclarecer é que Frankenstein é o nome do cientista “maluco” Dr. Victor Frankenstein, o monstro não tem nome, apesar que podíamos chamá-lo de “Junior”. Aliás, a criatura do Dr. Victor, além de não ter um nome, não tem praticamente nada. Nasce já adulto, porém sem nenhum tipo de amparo, jogado á todas as dores do mundo, sentindo frio sem saber o que era o frio, que podia se aquecer, com fome sem saber que existia alimento, com sede sem saber o que era água e só, sem saber que podia procurar outras pessoas. Ou melhor, não podia, pois ele também era desprovido da aparência humana. O que ele tinha era uma aparência insuportável e ninguém podia olhar para ele sem sentir horror.

Parece que a questão primordial que o livro suscita é; quem é a vítima? Dr. Victor Frankenstein deu vida á criatura, e em seguida a abandonou á própria sorte. Ou o monstro, que matou pessoas inocentes por vingança?

Como alguém abandonado e odiado ao nascer poderia respeitar a vida dos que o desprezaram? E os nossos milhares frankensteinzinhos de rua, as milhares de crianças de rua, que apesar de não terem uma força descomunal ou uma aparência horrenda nos colocam medo? Segundo as contas mais otimistas aproximadamente 1800 crianças vivem nas ruas apenas da cidade de São Paulo. Podem ser muito mais, alguns falam em 4 mil.

O ódio. Dr. Victor odiou sua criatura ao vê-la. A criatura odiou o mundo, que a tratou da pior forma. O mundo odiou a criatura, talvez o maior monstro do cinema, dos desenhos, etc... É um livro sobre o ódio, ou sobre os perigos da ciência, a prepotência humana ou o desprezo? Tudo isso penso eu. Por isso é um livro muito atual, próximo de completar 200 anos. Seria porque o ser humano pouco mudou e continua insistindo nos mesmos erros ?

Mas os clássicos gregos também mantém a atualidade, depois de milênios. Mary Sheley escreveu um livro que se tornou referência, trazendo de volta o mito de Prometeu, que foi punido por Zeus por dar o fogo ao Homem, e podemos associá-lo também a Lucífer, decaído por não aceitar as ordens de Deus, Ícaro, que, não bastando voar, quis voar cada vez mais alto, até que o sol derreteu suas asas e ele despencou para a morte, ou ainda Adão e Eva, que descumpriram a ordem de Deus, de não comer da árvore do conhecimento e foram expulsos do paraíso, assim como Dr. Victor, que não satisfeito com a vida perfeita que tinha, criou o mostro que a destruiu, enfim, uma trama que explora os limites da atitude humana e as conseqüências das ações desmedidas, que não respeitam os limites humanos ou divinos. Um livro ótimo, que a colocou para sempre entre os grandes escritores da humanidade.

Mary Sheley não sabia, mas sua obra também pode ser comparada à criação da bomba atômica. O sonho de que a ciência traria infinitos benefícios para toda a população do mundo, acabou diante da constatação do horror que ela podia causar.

Leia mais sobre esse livro: http://pt.wikipedia.org/wiki/Frankenstein

Yuri Bittar
Designer, fotógrafo e Historiador
www.yuribittar.com

O Sentido da Vida, de Mitch Albom

Escrito por Yuri Bittar

Só podemos dar sentido á nossas vidas dedicando-nos a nossos semelhantes e a comunidade, e nos empenhando na criação de alguma coisa que tenha alcance e sentido. (Morris Schwartz)

No LabHum estamos terminando de ler o livro ``A ultima grande lição - O Sentido da Vida” de Mitch Albom. O mais engraçado é que este livro é um best-seler norte-americano, e por isso enfrentou muito preconceito do grupo, assim como aconteceu com o próprio Prof. Dante, que teve o livro indicado por um amigo, mas demorou muito tempo para lê-lo e indicá-lo para nos. E depois de tanta resistência, o livro se mostrou realmente muito bom, agradando muito uns, sendo desaprovado por outros, mas não passou indiferente para ninguém.



Para mim ele marcou especialmente. Não apenas pelo seu conteúdo, mas principalmente pelo que ele resgatou dentro de mim. Primeiro a vontade de ser professor que estava meio deixada de lado, e já estava voltando, mas com essa leitura ganhou força. O livro me reforçou também o prazer em ser aluno. Também me lembrou de pessoas queridas, professores de tanto tempo atrás ou atuais, ou ainda pessoas que foram como professores para mim, me trazendo lições de vida, conscientemente ou não.



O livro também me fez pensar se estou no caminho certo, se estou encontrando felicidade e paz, se estou me desapegando das coisas e me apegando mais as pessoas. Se estou fazendo coisas das quais não me arrependerei quando chegar ao fim da vida, se estou fazendo algo de que me orgulho realmente e se estou ajudando as pessoas. Me fez pensar também se estou dando valor aos que me amam e se estou demonstrando que também os amo, por que eu os amo mesmo, mas será que eles sabem ? Eles precisam saber para poderem ser felizes e saberem que seu amor e retribuído.



Algo que tornou a leitura do livro ainda mais forte foi a dor. Sim, a dor, pois li o livro com dores. Terminei de ler o livro em plena crise, doente, com dor. Acompanhando a doença e morte de Morrie, a minha dor, embora insignificante diante da de Morrie, ajudou a dar realismo a leitura. Sofri. Sofri por Morrie, por nos todos e pro mim mesmo. No mesmo dia que terminei de ler o livro, descobri que tenho uma doença gástrica. Até um dia antes eu podia comer qualquer coisa, em qualquer quantidade, e nada me fazia mal. Mas agora, como Morrie, não posso mais comer tudo que quero. Li doente sobre a bela morte de Morrie.



``O Sentido da Vida`` nos faz entender quais são as questões importantes na vida, e como lidar com elas. Nas livrarias ele esta na seção de auto-ajuda, ou as vezes em psicologia. Mas vejo ele mais como literatura. O que lemos e sobre a vida de dois homens, que se reencontram num momento especial, que e o fim da vida de um, e poderá ser um recomeço para o outro.



Leia esse livro, nem que seja para não gostar, mas pelo menos é uma oportunidade de parar e pensar. Pensar no que há de mais importante na nossa vida.

O Idiota, de Dostoievsky

Reflexão de Yuri Bittar (monitor)

Amigos leitores. Participo de um grupo genial chamado “Laboratório de Humanidades” na UNIFESP. Este é um grupo que se reúne semanalmente para discutir a leitura de livros. O incrível é esse trabalho ser realizado em um campus tipicamente da área da saúde, e termos um grupo muito heterogêneo, que vai desde historiadores até médicos. Passando por docentes, profissionais e alunos. Atualmente estamos discutindo O Idiota, de Dostoiévski, e estas são as minhas impressões gerais dos conceitos contidos no livro, “chupando” um pouco do que os outros participantes observaram, portanto este não é um texto só meu, e sim uma construção coletiva e que pretendo agora compartilhar com mais pessoas.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi o fato do Príncipe ser o único que não está “maquinando” o tempo todo. Ele parece viver momento, ou no máximo pensar apenas nos próximos acontecimentos.

Ao final do livro eu já vejo como problema central do livro a comunicação, ou seja, como se fazer entender por pessoas que não podem e não querem ver as coisas como você ? Esta falha na comunicação entre as pessoas parece ser decorrente de uma série de fatores, mais alguns no caso do nosso herói, mas destaco um, a falta de paciência. Aí parece estar uma questão fundamental do livro, pois o Príncipe parece ter uma paciência sem fim com todos, e poucos tem a mesma consideração por ele. Será porque o Príncipe tem um amor ilimitado por todos ? Afinal os poucos que tem paciência com ele são exatamente os que o ama ?

Eu me pergunto se a intenção do autor não foi exatamente essa, colocar em discussão a superficialidade das relações sociais, e o choque causado por elemento que vê os outros mais profundamente.

Quero agora colocar mais algumas inquietações geradas pelo livro, em mim e nos outros participantes do laboratório:

· Cogitamos que o Príncipe parece viver uma outra realidade, mas o que é realidade, e será que na verdade ele não vê a realidade muito melhor que os outros, por ser menos preso a preconceitos e visões fáceis ?

· Consequentemente devemos nos perguntar, há uma falha na comunicação ? Eu particularmente vejo que ele está em outro tempo, em uma lógica levemente diferente, e, além dele conhecer os códigos da sociedade, tem também uma linguagem própria ? Como ele poderia expressar verbalmente idéias que estão além do alcance dos outros, de uma maneira inteligível.

· De certa forma o Príncipe não está muito preocupado em ser entendido, mas sim em entender.

· Ele definitivamente vive em uma dimensão de tempo diferente, ele parece dispor de bem mais tempo, pois dedica muita atenção à todos.

· Outro questionamento que fatalmente surge é; porque esse final, porque o Príncipe regride em sua doença e se retira da consciência, porque ele é, digamos, derrotado ? Bom, creio que seria o mesmo que perguntarmos qual é a moral da história ? Akira Kurosawa, que filmou O Idiota em 1951, disse “...é o escritor (...) que escreve com mais honestidade sobre a existência humana. (...) não há nenhum outro autor (...) que seja tão bom, tão delicado”. Que triste, se Dostoiévskientende tão bem o humano, e a figura pura do Príncipe tem um final tão trágico, o que será de nós, qual a esperança que resta ?

· Mas não vejo assim dessa maneira tão trágica, acho que o autor quis questionar até que ponto uma pessoa pode suportar amar tão grandemente, acho que essa é a resposta.

· Por fim creio que a maioria das pessoas se apaixona pelo Príncipe, mas poucos são como ele, ainda mais no nosso tempo.

· Talvez você me pergunte, mas que conclusões são essas que eu chego, mais perguntas que respostas ? Hora, devemos desconfiar dos livros que nos trazem muitas repostas, e confiar nos que provocam questionamentos. Acho que O Idiota é ótimo por nos colocar diante de questões da maior relevância, fazendo isso de maneira totalmente crítica. Acho que alguns leitores desse livro podem até se envergonhar de si mesmos, ao se identificar com outra personagem que não o Príncipe.