terça-feira, 26 de abril de 2011

A experiência de leitura no LabHum

Por Sandra Cavasini
Trabalho de conclusão de disciplina

Durante o segundo semestre de 2010, pude conhecer o grupo que compõe o Laboratório de Humanidades da UNIFESP.

Eu sou psicóloga, lotada no Departamento de Psiquiatria – no serviço de Atenção Psico-social do Hospital São Paulo. Portanto minha atuação profissional se dá em grande parte com pacientes, familiares e equipes de saúde, Residentes médicos e na Residência Multiprofissional, onde estou como preceptora na área de psicologia. Além do que, também tenho como função ministrar aulas na disciplina de Psicologia Médica do curso de Medicina.

Participar do Laboratório de Humanidades (LABHUM) neste último semestre, me propiciou refletir muitas questões pessoais ligadas à minha prática profissional na área da saúde, as quais vou tentar relatar nesse texto.

Conforme descrito no próprio site do laboratório, a partir da leitura e discussão de obras clássicas da literatura, o Laboratório de Humanidades visa promover uma abertura para a dimensão humanística do conhecimento, entendendo as humanidades e, em especial a literatura, como meio de humanização no âmbito da pesquisa e da prática profissional em saúde.

Assim, no LABHUM, parte-se da experiência afetiva com a obra e com o grupo para podermos resgatar elementos que possam nos levar a uma reflexão de questões ligadas ás humanidades. As reflexões sobre o campo da humanização em saúde a partir de incursões literárias auxiliam no aprofundamento dessa problemática.

Durante o segundo semestre de 2010, fizemos a leitura e discussão de duas obras clássicas: A Odisséia de Homero e O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. E é a partir dessas duas obras que vou discorrer algumas inquietações .

O tema humanização em saúde tem sido apresentado de forma bastante intensa entre profissionais de saúde, pesquisadores, Instituições públicas e privadas, órgãos governamentais, como proposta política e de novos saberes e fazeres.

Tais discussões perpassam o cotidiano das pessoas, introduzindo-se modelos de atendimento humanizado, que interferem na construção de novas idéias e pensamentos acerca do que é o fazer em saúde.

A humanização em saúde vem assumindo um caráter histórico e de mutabilidade, visto que o próprio conceito de humanização vem sendo modificado conforme os avanços científicos e tecnológicos e os novos interesses de mercado.

Na pós modernidade, a construção do conceito de humanização se dá de forma aparentemente ingênua, mas na sua essência não o é. O termo humanização se dissemina hoje na saúde como um bem de consumo. Haja vista, as propagandas de serviços de saúde (Hospitais, planos de saúde) privados ligados à indústria de produção de bens a serem consumidos pela população, que garantem atendimento humanizado ligados á sofisticação tecnológica e ao bom atendimento ao cliente.

Aos que sem condições de adquirirem os onerosos serviços de saúde particulares são disponibilizados os serviços públicos ligados ao Sistema Único de Saúde, e a falsa idéia de que todos poderão ter acesso à serviços humanizados, que vem como decretos e protocolados em manuais a serem implantados em “ rede nacional”.

O mito de Ulisses me leva a compreender algo na sociedade moderna. Porque historicamente os mitos passaram a não mais sustentar as explicações das coisas. O homem eliminou o mito como forma de compreensão do mundo, para explicá-lo apenas pela razão. No entanto a própria razão acabou se transformando em mito.

Parafraseando Heller, o tema da lição está sempre presente nos mitos. Uma vez que a gênese legitima a ordem existente enquanto ordem de existência, o mito nos fala do que devemos fazer e do que devemos evitar, do que devemos temer e do que devemos esperar.

Colocar as questões da humanização num plano eminentemente racional com categorias pré determinadas à serem executadas sem reflexão e fora da ordem dos afetos parece ser um modo de dominação que resulta não apenas na alienação dos homens em suas relações consigo mesmo e com os outros, como também leva a coisificação do espírito.

Especificamente no que se refere às relações que fazemos no campo da saúde poderíamos perguntar: o que está por trás desse conceito de humanização? Quem são os beneficiários desse chamado?Que conhecimento as pessoas (profissionais, usuários) tem acerca do que seja humanização? quais seriam os motivos que conduzem as pessoas a colocarem em prática protocolos de humanização de caráter eminentemente instrumental?Decidir sem conhecimento de causa parece ser um grande risco.

A obra aponta para o herói guerreiro e sua longa viagem para casa e que se transforma em um herói aventureiro belo, forte e com a grande capacidade de lograr para viver. Isso nos remete a Ulisses como o símbolo da superação das adversidades humanas porque enfrenta situações difíceis com coragem e bom senso. O herói que sabe lidar com os afetos – endurece quando precisa e chora quando necessário.

O mito de Ulisses oferece a possibilidade de pensar os desafios da própria razão através da astúcia como forma de sobrevivência e a instrumentalização do humano para alcançar os fins. A astúcia me parece como educação dos sentimentos e domínio das paixões. É saber usar o tempo da oportunidade. É viver de acordo com a natureza é também ter projetos.

Ulisses nos coloca o desafio de pensar a existência do homem moderno sem abrir mão da essência humana assim como alcançar a felicidade sem perder a autonomia. As normas expressas em códigos e protocolos são elementos que vem contribuindo para um tipo de consciência que não possibilita a superação dos elementos que impedem a autonomia e a liberdade do indivíduo.

Os protocolos que descrevem condutas humanizadas parecem ser instrumentos que expressam mais um caráter adaptativo, que servem para prescrever o que o profissional pode ou deve fazer dentro de uma perspectiva de sociedade liberal

Chama-se de humanização as normatizações de convivência, relações, ambientes, procedimentos que deveriam ser processos naturais do cuidado. Por exemplo, chamar o paciente pelo nome, oferecer informações acerca de sua doença, acolher, orientar...

Como bem coloca Prof. Dante, trata-se de um equívoco operacional, de modo que tentamos resolver o problema da desumanização da mesma forma que resolvemos os problemas técnicos. Assim vivemos uma intoxicação protocolar, ao invés de se humanizar as pessoas.

No mito, o canto das sereias, anuncia o advento da cultura que interfere nos processos naturais de vida-morte, saúde –doença. Não estaria o canto das sereias ligado àquilo que é negado ao homem, em função de uma vida racional moderna¿

Também o Retrato de Dorian Gray mostra-nos bem tal experiência. Quantas vezes em nossa prática não percebemos a presença de dominadores, (os Harry’s) nos impondo ideais de perfeição em relação ao cuidado do outro. E em quantos momentos nos sentimos como Dorian, negando a realidade e sendo seduzidos pelas idéias que são colocados como experimentos em nossas vidas. Hoje é o Programa Nacional de Humanização, amanhã outros programas virão para serem executados e experimentados, com a intenção de nos transformarmos em seres mais humanos.

Como almas presas ao quadro, nós profissionais de saúde estamos presos as normas e protocolos.

Parece que o que vem embutido nos protocolos de humanização são idealizações a respeito do que seja o bem cuidar. Ao profissional só resta cumprir o pré determinado, em nome da humanização. Desconsiderando que o bem e o mau, o belo e o feio, já estão presentes no interior de cada um de nós.O que nos falta é refletir sobre esses elementos. Nesse sentido a literatura e a arte podem ser veículos importantes para a tomada de decisões em relação ao cuidado de si e do outro.

A arte, a literatura pode nos possibilita entrar em contato com as questões humanas partindo dessa experiência racional- afetiva na prática.

O desenvolvimento do campo da humanização em saúde a partir de incursões literárias me auxiliam a refletir mais profundamente acerca da problemática que envolve tais questões.

Através da literatura pude mergulhar em minha prática profissional no âmbito hospitalar, como profissional que busca o cuidado do que sofre, o cuidado dos que aprendem a cuidar (alunos e Residentes) . No momento em que estou no papel de educadora, me sinto modificada e também modificando o outro, na medida em que estimulo tais reflexões nos que estão ao meu lado nesse processo dialético de ensino-aprendizagem.

Estar no LABHUM este ano representou um aprimoramento interno, no qual me sinto modificada em minhas ações cotidianas. Por esse motivo gostaria de terminar agradecendo ao Prof. Dante e ao Prof. Rafael pela oportunidade desse encontro e em especial aos colegas do grupo que trazem a cada semana a energia, as inquietações vividas através da experiência da leitura.

Que o Natal de todos nós seja o coroamento de todas essas alegrias e descobertas vividas nesse ano de 2010.

Abraço!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Próxima livro: Alice Através do Espelho

Nossa próxima leitura, como já foi informado na última reunião, será:

Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá, de Lewis Carroll
ou Alice no País do Espelho (em algumas traduções)

Qualquer edição!

Through the Looking-Glass and What Alice Found There (Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá) foi publicado em 1871, e é a continuação do célebre Alice no País das Maravilhas, de 1865. Mais informações: http://pt.wikipedia.org/wiki/Through_the_Looking-Glass

DUAS VIAGENS - por Laise Nucci

Trabalho de conclusão de disciplina

Foram duas viagens impressionantes. A primeira, o regresso, a segunda, uma viagem sem volta. Tanto uma quanto a outra, viagens de transformação.

Ao acompanhar Ulisses em sua Odisséia, a experiência foi justamente poder perceber o quanto a ausência pesa e se faz presente. Ulisses tinha um objetivo, sabia onde queria chegar, tinha foco.

Durante todo tempo em que buscava regressar, encontrava forças para superar os obstáculos justamente na certeza de que tinha quem esperava por ele. Existia o amor que encontrava correspondência na esposa e no filho.

Com Dorian, a história foi bem outra, ele não tinha amor, não tinha vínculo, seu único objetivo era preservar a beleza, a aparência. Não se relacionava, ou melhor, até existia uma relação com Lord Harry, porém era uma relação sem muito propósito, da parte de Dorian. O mais importante era o prazer, viver a vida.

Minha reflexão neste semestre no laboratório de humanidades relaciona-se com o meu trabalho. Há 20 anos ingressei na área de Recursos Humanos e me interessei cada vez mais por desenvolvimento organizacional.

Minha experiência foi construída em hospitais, sendo que estou a 14 anos no Hospital São Paulo. Quando penso nos profissionais da saúde, um fator me traz muita inquietação, a questão do adoecimento de quem deveria produzir saúde.

As taxas de adoecimento dos profissionais é muito alta e duas queixas prevalecem sobre as demais de forma muito significativa, que são: Depressão e doenças osteomusculares.

Tive a oportunidade de ouvir muitos profissionais em diferentes momentos da carreira e muitas coincidências são pontuadas, como por exemplo, a escolha da profissão. Geralmente existe uma espécie de ideal quando mencionam esta escolha, os obstáculos que tiveram que superar e as resistências encontradas.

Mas com o passar do tempo, parece que este momento de escolha vai ficando tão distante que o profissional segue por dois caminhos: ou ele sofre junto com o paciente, provavelmente por se sentir impotente no alívio da dor, ou toma o caminho oposto que é o de enrijecer-se como forma de distanciar-se do sofrimento. No primeiro caso, muitas vezes a conseqüência é a depressão e no segundo, manifestações osteomusculares.

É preciso esclarecer como relaciono esta reflexão sobre o trabalho com Ulisses, Telêmaco, Penélope, Dorian, Harry e Basil: Penso que a vida se completa, ou melhor, se afirma, quando tem objetivos, um porquê, uma razão de ser.

Na Odisséia, o “onde quero chegar” é muito forte. Ulisses queria voltar para casa e isso é muito claro para ele. Supera obstáculos, enfrenta grandes batalhas, perde amigos, chega a perder todos os seus bens materiais. Em alguns momentos seu empenho fica até enfraquecido, porem, mesmo envolvido por prazeres retorna a seu objetivo.

Telêmaco por sua vez, vai construindo o seu objetivo que é encontrar o pai. E Penélope tem como objetivo manter a condição de quem espera e trabalha nisso, manter a situação é tão importante que desfaz à noite o que teceu durante o dia, mas ainda sim o trabalho está presente, mesmo que seja desfazendo-o.

Quando penso em Dorian, não consigo perceber que a sua vida tivesse um significado que não fosse manter a juventude aparente, manter a embalagem, provavelmente porque a falta de conteúdo fosse insustentável.

Dorian e Harry não tinham realizações, nem objetivos que não fosse o puro prazer, não conheciam o amor. Existia entre eles uma relação de interesses. Já Basil, amava Dorian, se não a pessoa em si, uma figura idealizada, mas ele construía, sentia, enfim, tinha algo dentro de si que expressava pela obra.

Foi falado no laboratório sobre a questão de viver um estado de tensão entre o bem e o mal e eu acredito que esta tensão é amenizada quando colocamos mais dois pontos: à frente, o objetivo e atrás a obra realizada. Valorizar cada passo dado em direção ao norte escolhido, sabendo que a tensão entre o bem e o mal sempre vai estar presente.

Ao acompanhar as personagens dos livros trabalhados neste semestre, pude me identificar com cada uma delas e perceber o presente que é a vida. Se em determinados momentos as coisas não acontecem da forma que desejo, em outros fica claro o quanto as escolhas determinam os resultados. A minha relação com as pessoas a minha volta me influencia e é influenciada por mim.

Há mais de dois meses meu filho escolheu sair do Brasil para buscar a realização de um sonho. Minha condição de mãe determina esperar e desejar que ele encontre a satisfação de seus sonhos. Minha responsabilidade enquanto mãe vai até certo ponto, não posso interferir nas escolhas do outro, mesmo que esteja falando do meu filho. Este é um ponto de tensão entre o bem e o mal, desejar que ele seja feliz, acredito que é o certo, desejar que ele esteja perto de mim, entendo que seja errado, minha escolha traz responsabilidade, quando escolho o que acho certo, tenho a responsabilidade, mas não tenho a culpa.

Este foi outro ponto que me fez pensar nas discussões do Laboratório: A Reflexão. Se existe o Bem e o Mal, como decido o que coloco de um lado e do outro? Esta escolha é definitiva? Penso que as respostas são relativas. Pois a transformação e evolução são constantes. Diariamente aprendemos e desaprendemos e é preciso estar atento para o novo e as necessidades de renovação.

No meu percurso profissional, encontro mais satisfação quando estou ministrando treinamentos e já faço isso há alguns anos, inclusive com boa avaliação por parte dos treinandos. Quando acontece uma boa avaliação, vem junto um fator crítico que é a acomodação. A vivência no laboratório de humanidades me provoca o desconforto, pois me sinto provocada a repensar minha forma de me expressar. Acredito que seja objetiva demais em minhas colocações e muitas vezes essas colocações não se sustentam. Esta percepção me provoca a repensar minha forma de expressão que pode, num momento ser adequada, mas que precisa estar “viva” e renovar-se.

Este momento de reflexão é baseado em fatos ocorridos, mas que me faz projetar posturas futuras, se assim for, a reflexão é posterior e anterior simultaneamente. Como no caso do chocolate: reflito num comportamento passado – comi o chocolate – mas ao mesmo tempo planejo limitar a repetição deste comportamento.

Tenho certa insegurança em me posicionar durante as discussões, mas sou insistente. Fiquei muito satisfeita quando meu pequeno texto foi para o Blog. Foi este incentivo que me fez decidir escrever agora – apesar de não ter idéia se o que apresento está dentro do esperado.

Estou no Laboratório há 3 semestres, agradeço muito a oportunidade de fazer parte de algo tão transformador, mas que respeita o tempo de cada um.

Muito Obrigada!

Laise Nucci

laiserh@yahoo.com.br