terça-feira, 29 de março de 2011

Experiência no laboratório de humanidades

Por Maria Lúcia Ribeiro Marcondes
2º Semestre de 2010

Esse foi meu primeiro semestre no grupo de humanidades. A proposta de discutir aspectos humanos , principalmente associados a sentimentos e emoções parecia interessante, mas de longe eu não entendia muito bem como isso seria possível apenas lendo obras literárias e deixando de lado todas as teorias que conhecemos, principalmente as psicológicas que estão dentro da minha área de atuação profissional.
A proposta de trabalhar a partir daquilo que surge nas discussões, parecia tarefa difícil, pois o único material a priori é a própria obra a ser lida. Durante as discussões, observei os sentimentos despertados em mim, no grupo e aqueles demonstrados pelos personagens do livro.
Para minha surpresa os sentimentos foram dos mais variados e com possibilidades de observações infindáveis. Começamos com a leitura da “Odisséia de Homero”, livro que a princípio achei muito difícil. Quanto ao conteúdo, gerou em mim um pouco de “ansiedade”, pois a viagem de Ulisses nunca terminava, ele não chegava logo e achei uma história agressiva, com muitas perdas.
No decorrer das discussões percebi quantas coisas deixava de observar na leitura, ficando apenas na minha percepção pessoal, às vezes do meu sentimento no momento (perdia uma irmã após período longo de internação e o que aconteceu com ela foi algo agressivo).
É sempre muito interessante perceber que uma mesma história pode ter diferentes leituras e a maneira de percebê-la pode sim associar-se ao momento que vivemos.
Como psicóloga sei que não faltam teorias que expliquem esse fenômeno, mas o interessante é perceber isso numa situação prática, aparentemente simples e sem precisar recorrer a nenhuma teoria.
Com isso, o laboratório de humanidades faz jus ao próprio nome: “’é humano”. Quando recorremos apenas às teorias para explicar um fenômeno humano, na realidade podemos torná-lo “desumano”, afastar-se dele, dando lugar a possíveis generalizações e não observar o óbvio.
É interessante , pois apesar de leituras tão diferentes a respeito de uma mesma obra, há uma sintonia entre os participantes do grupo “como se falassem a mesma linguagem”. E essa linguagem é a proposta do grupo, é falar do humano, presente na obra e que muitas vezes são questões que dizem respeito à realidade atual. É importante ressaltar também os dois professores do grupo, que em alguns momentos tão divergentes de opiniões , mas que ao mesmo tempo os coloca em sintonia, complementando-se.
Várias questões humanas foram discutidas na Odisséia, eis aqui algumas delas: a persistência do Ulisses em buscar seu objetivo e não desistir; a viagem como metáfora do amor e sofrimento; qual o verdadeiro amor de Ulisses (mulher, Ítala ou o passado?); maior virtude da história é a hospitalidade; qual o verdadeiro herói: Ulisses que tenta vencer os desafios e voltar para casa ou Penélope que resiste aos pretendentes; aprender a esperar é difícil e que este esperar é ativo e não passivo; Ulisses recusa a imortalidade para não perder a identidade humana; a coragem de viver as coisas no momento que elas aparecem; a necessidade que todos temos de construir um herói, de ter alguém que nunca desiste e que enfrenta todas as dificuldades, tem esperança, não possui medo e no final atinge seu objetivo; aprender a ficar no desconhecido.
Após discussão e fechamento da leitura da Odisséia de Homero, iniciou-se a leitura do “Retrato de Dorian Gray”. A minha impressão inicial desse livro foi muito boa, prendeu a atenção, os personagens possuem personalidades bem definidas e foi muito interessante do começo ao fim.
Inicialmente, me chamou a atenção à maneira como o autor descreve os personagens, principalmente o Dorian Gray, que inicialmente é uma figura idealizada e que vai se desconstruindo no decorrer da estória. O autor nos convence tanto quando idealiza o personagem, quanto o destrói mostrando todas as suas características negativas (o belo e o mau).
Infelizmente durante as discussões de leitura, necessitei faltar alguns encontros, desta vez também vivenciei outra perda (do meu pai). Envolvi-me um pouco menos com a discussão desse livro, mas algumas questões relativas à percepção do grupo também foram interessantes.
Algumas idéias discutidas: o quanto a história é atual e diz respeito a nossa realidade; nossas identificações e conseqüentes incômodos por nos perceber nos personagens; o perfeito é sempre instantâneo e gostaríamos que fosse eterno; céu e inferno dentro de cada um de nós, a sedução do mau; não se comprometer e culpar o mundo; ganhar tudo sem perder nada.
Nesse semestre tive experiências muito boas como à participação no grupo de humanidades e outras horríveis, como a perda de duas pessoas muito próximas. Tratar de questões humanas neste momento da minha vida foi muito importante, ajuda não só na leitura dos livros, como também para ampliar a maneira de enxergar a vida e o mundo, e é muito bom saber que isso ainda é possível dentro de uma universidade. Para mim, particularmente, surgiu num momento muito importante e difícil da minha vida, pois não há questão tão humana quanto lidar com sentimentos de perda de pessoas que você criou vínculos afetivos desde o momento em que nasceu.

Enfim, segue um poema que para mim expressa muito bem o grupo do laboratório de humanidades:
Onde você vê um obstáculo, alguém vê o término da viagem e o outro vê uma chance de crescer;
Onde você vê um motivo para se irritar, alguém vê a tragédia total e o outro vê a prova para sua paciência;
Onde você vê a morte, alguém vê o fim e o outro vê o começo de uma nova etapa;
Onde você vê a fortuna, alguém vê a riqueza material e o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total;
Onde você vê a teimosia, alguém vê a ignorância e o outro compreende as limitações do companheiro, percebendo que cada qual caminha no seu próprio passo;
E que é inútil querer apressar o passo do outro, a não ser que ele deseje isso;
Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar;
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura.
(Fernando Pessoa)

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